quinta-feira, outubro 05, 2006

Virtudes

Por Fernando Fontoura
3/10/2006

Em palestra que ministrei sobre as virtudes do esporte para toda a vida, dei como exemplo negativo o caso dos vinte anos da "mão de deus" (neste caso em minúsculo mesmo). Em uma chuteira de um jogador da Argentina nesta Copa de 2006 havia um carimbo com louros ao redor reverenciando, promovendo e comemorando os vinte anos do gol de Maradona com a mão, contra a Inglaterra, e que deu o bicampeonato mundial ao país. Referi-me a isso como uma desvirtude, no mínimo, uma anti-virtude, no máximo. E que poderíamos saber muito de um povo e de uma nação apenas conhecendo seus ídolos. Nisso se levanta um participante e diz que eu não poderia dizer isso. Que falava isso porque era da Argentina. Que tinha que respeitar a opinião de quem achava isso "legal". E que o Túlio também tinha feito gol com a mão e era brasileiro. Respondi que mesmo sendo o Túlio, e brasileiro, continuava com a mesma opinião: estava errado.
Aí entrou uma discussão sobre o futebol e paixão, onde muitos pensam que no futebol nada pode ser reavaliado pois se trata de uma paixão nacional. Mais um erro de conceito, pois se tratando de paixão ou não, coisas são certas ou erradas.
Essa mania de flexibilizar a ética, de esticar com um "jeitinho brasileiro" a moralidade nos dá como resultado tudo aquilo que vemos na TV no campo político. Se vejo um assaltante abrindo um carro e levando o aparelho de cd, devo dizer que não concordo com ele ou devo dizer que ele está errado? Essa omissão de convicções é que dá respaldo a toda lama que encontramos em todas as áreas da vida. Puxar a brasa para o seu assado, porque seu partido político tem algo a ganhar, ou porque o que o motiva é a paixão, é querer defender aquilo que é com aquilo que não é.
Aristóteles certo dia proclamou a fórmula mais exata da humanidade: A é A. E qualquer tentativa de fazer de um não-A um A é andar na contramão da moralidade, não interessa qual sentimento esteja envolvido. Uma pedra não pode ser uma pedra ao mesmo tempo em que é uma folha; um pedaço de pau não pode ser um pedaço de pau ao mesmo tempo em que é um vidro; uma parede não pode ser toda verde e vermelha ao mesmo tempo. A é A.
E para exercer essa fórmula no dia-a-dia é necessário ter convicções e escolher entre o certo e o errado, entre o branco e o preto e não ficar em cima do muro cinza. A é A não garante o acerto. Pode-se escolher com toda convicção o errado, mas tendo convicção da escolha, tem-se consciência desta, portanto há a alternativa da correção.
O sistema "hawk eye" andou na direção da fórmula aristotélica quando foi implantado. Ou é ou não é. Ponto. Ou repete-se o ponto. Não fica naquela discussão de que houve intencionalidade ou mau uso dessa. Trabalha a favor da fórmula A é A.
Antes de querer alterar qualquer coisa na realidade, temos de perceber aquilo que é. Tanto no esporte como na vida em geral. Outro filósofo, Francis Bacon, certa vez disse que para comandar a natureza, primeiro, temos que obedecê-la. Temos que primeiro descobrir valores (não criá-los) para depois colocar nossas virtudes em jogo. E o esporte é um campo onde as virtudes são explícitas e trabalhá-las neste campo dá a chance de levá-las e exercitá-las para o resto da vida.

extraído do site Tênis Brasil

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